Jardim do Éden é considerado um modelo para o restante da criação. O propósito original de Deus era estender todo o jardim pelo restante do globo. Para que isso acontecesse, Deus criou o homem e lhe designou a comissão de cultivar o jardim, alargando suas fronteiras por toda a terra. Essa tarefa não seria executada apenas pelo primeiro homem, mas também por seus descendentes, quando Deus disse a Adão e a Eva que se multiplicassem. Assim, a comissão dada ao casal primevo se resumia em dominar a criação, multiplicar sua descendência e cultivar o jardim (Gn 1.26-28; 2.15). A comissão de expandir o jardim para o lado exterior e multiplicar sua descendência por todo o mundo é o que os torna portadores da imagem de Deus. Como corregentes da criação, eles executariam essa comissão com o propósito de difundir a glória do Senhor.

De toda a extensão da terra, o único lugar habitável, até então, era o jardim do Éden. Essa ideia de que o único lugar habitável era o jardim do Éden não implica que, fora do paraíso, não havia plantas, águas e animais. Pelo contrário, o texto é claro ao informar que Deus criou a terra com todas as espécies de plantas e animais (Gn 1-2). A questão sobre o fato de a terra, no princípio, não ser ainda um lugar totalmente habitável reside no fato de que, em suas extremidades, não se encontrava um espaço como o jardim do Éden, no sentido de ser um lugar de relacionamento com o Senhor. Assim, quando a descendência adâmica se multiplicava, a terra ia progressivamente se tornando como um templo-jardim, permitindo que a humanidade se relacionasse com Deus, assim como Adão e Eva se relacionavam com o Criador no paraíso primevo (Gn 3.8). A partir desse jardim, Deus confiou a terra ao homem para que ele continuasse o trabalho do Criador, dando os retoques finais na criação e expandindo o Éden para as partes inabitáveis da terra, tornando-as habitáveis para a humanidade (Sl 115.16). O profeta Isaías, ao falar no contexto da nova criação, mostra que o plano original de Deus era que a terra fosse totalmente habitável, proposta que visava transformá-la em um templo-paraíso onde Deus e a humanidade pudessem se relacionar em um culto eterno (Is 45.18).

O Antigo Testamento identifica o Éden como um templo-jardim, tanto de maneira explícita quanto implícita. O profeta Ezequiel, ao falar do orgulho do rei de Tiro em comparação com o orgulho do querubim ungido, designou o jardim do Éden como o monte de Deus (Ez 28.14). Essa é a forma mais explícita em que uma passagem classifica o Éden como um templo. O monte santo de Deus certamente se refere à comparação com o templo de Israel, que havia sido construído por Salomão no monte Moriá. No capítulo 28, versículo 18, o profeta Ezequiel menciona que os santuários haviam sido profanados. A alusão ao substantivo “santuários” não se refere a vários templos, mas sim à repartição do templo de Jerusalém, que era dividido em Pátio Externo, Lugar Santo e Lugar Santo dos Santos. O santuário de Israel era dividido em três compartimentos porque seguia o modelo de Deus estabelecido no Éden, que também era dividido em três partes. G. K. Beale (2021) identifica o Átrio Exterior do templo de Salomão, onde ficavam os povos, com a terra e os mares que Adão deveria dominar.  Observa-se que a Bíblia classifica a figura do mar como representativa de povos e nações (Ap 17.15). De acordo com a ideia de que os povos se encontram no Pátio Externo, isso aponta que o plano de Deus para os últimos dias é que as nações estarão na presença do Senhor no templo-jardim escatológico. O Lugar Santo, que é a segunda parte do templo, é comparado ao próprio jardim, enquanto o Santo dos Santos é igualado ao Éden em si, berço da vida física e espiritual.

Se o jardim do Éden era considerado um templo, surge a pergunta que não quer calar: quem é, então, o querubim ungido ao qual o rei de Tiro, Etbaal II, está sendo comparado? A interpretação mais conhecida é que esse querubim se refere a Lúcifer. Contudo, se interpretarmos o monte-templo de Deus como o jardim, a coerência sugere que esse querubim, que se encontrava no Éden, se refere a Adão. Querubim significa “guarda”, o que traz a ideia de que o homem primevo era o guardião do paraíso, como um tipo de sacerdote. Os sacerdotes do templo de Israel tinham a função de guardar o santuário dos animais impuros, assim como Adão tinha a obrigação de impedir que o mal entrasse no templo-jardim, que, nesse caso, era a serpente. Então, nesse caso, compreende-se que a serpente ficava do lado de fora do paraíso? Certamente, dado que a função dos sacerdotes de Israel representa o ministério de Adão no que diz respeito ao encargo de expulsar qualquer animal que vivesse fora do templo e entrasse no santuário — visto que o Éden é um tipo de templo e Adão é um tipo de sacerdote —, isso implica afirmar que a serpente vivia fora do paraíso.

Outro fator que garante que Adão era uma espécie de sacerdote está na parte em que o texto menciona as pedras preciosas que o envolviam. “Você está no Éden, no jardim de Deus; todas as pedras preciosas o enfeitavam: sárdio, tópazio, diamante, berilo, ônix, jaspe, safira, carbúnculo e esmeralda. Seus engastes e guarnições eram feitos de ouro; tudo foi preparado no dia em que você foi criado” (Ez 28.13). Dessas pedras preciosas que cobriam Adão, seis delas (tópazio, diamante, berilo, ônix, jaspe e safira) foram utilizadas para compor as doze pedras do colete sacerdotal, ordenado por Deus a Moisés, com a proposta de que os sacerdotes servissem no santuário (Êx 28.17-20). As pedras preciosas que cobriam Adão, uma vez encontradas no colete sacerdotal, identificam-no como um sacerdote, reforçando a ideia de que o jardim do Éden era um tipo de templo.

A tarefa de Adão de alargar o espaço geográfico do Éden pelo restante da terra foi impedida porque o primeiro homem se deixou seduzir pelo encanto de Satanás, por meio de uma serpente. Por conta de sua desobediência, Adão foi expulso do paraíso. Deus, então, escolheu homens para executar a função de expandir Sua glória através de templos ao longo da história. A narrativa bíblica do Antigo Testamento descreve os patriarcas construindo pré-templos em determinados espaços montanhosos, colocando pedras e ungindo-as para identificar esses locais como lugares de adoração. Na época de Moisés, o monte Sinai também representa o desenvolvimento do templo, seguido pelo Tabernáculo, uma tenda santuário. Mais tarde, com a conquista da terra de Canaã, Israel construiu, por intermédio do rei Salomão, um templo fixo. Após a destruição desse templo pelo exército babilônico, um novo templo foi construído por Zorobabel, cuja glória seria maior que a do primeiro templo. Em suma, tudo isso mostra, desde os patriarcas até Zorobabel, uma extensão do templo, assim como Adão deveria ter feito ao expandir o templo-jardim por toda a terra.

A comissão de Adão em estender o templo-jardim é herdada por Abraão (é sabido que, no início da chamada do patriarca, seu nome era Abrão; no entanto, ele será mencionado aqui com o nome Abraão, que foi o nome que Deus lhe deu). Para tornar mais compreensível a ideia do desenvolvimento da extensão do templo, Beale (2021) define a edificação do altar ao Senhor, feita por Abraão, como uma construção do santuário em pequena escala (Gn 12.7). Se a edificação do altar feita pelo patriarca é uma construção do templo em pequena escala, compreende-se que sua descendência, isto é, Jacó, continuaria a edificar altares com o objetivo de dar prosseguimento à extensão do templo, que ele chamou de casa de Deus (Gn 28.17, 18). E um número maior dessa descendência, os hebreus, iria dar continuidade ao avanço dessa construção, ampliando o templo no monte Sinai, quando Moisés recebeu a revelação e a ordem de Deus para construir o Tabernáculo, que era um tipo de templo móvel. Era uma espécie de tenda santuário; o fato de os hebreus estarem peregrinando pelo deserto facilitava a montagem e desmontagem do templo portátil quando chegavam para se instalar em um determinado lugar e quando saíam dele.

As Antigas Escrituras sempre relacionam o templo com montes. Ezequiel chama o templo-jardim de monte do Senhor. Certamente, os altares que Abraão e Jacó edificaram foram construídos em montanhas. Moisés recebeu a revelação do Tabernáculo no monte Sinai, e o lugar onde Isaque quase foi sacrificado localizava-se em um monte denominado Moriá. É exatamente no monte Moriá que a construção do templo deixa de ser um desenvolvimento em pequena escala e chega à sua conclusão no reinado de Salomão (2Cr 3.1). Grosso modo, o progresso dinâmico da construção do templo, desde as pequenas realizações dos patriarcas até a conclusão do templo fixo por Salomão, exibe implicitamente a comissão de Adão em cultivar o templo-jardim, planejando estender suas fronteiras por toda a terra.

O templo construído por Salomão era caracterizado por sua estética, que incluía molduras de árvores (2Cr 3.5; 4.12, 21), pedras preciosas (2Cr 3.4, 6) e os grandes querubins nas paredes do Lugar Santo dos Santos (1Rs 8.6-8). A caracterização das molduras do templo, feitas em forma de palmeiras, flores e romãs, remete ao cultivo do jardim (Gn 2.8). As pedras preciosas que embelezavam e enriqueciam a estrutura do templo descrevem as pedras preciosas no Éden (Gn 2.11, 12), e as imagens dos querubins nas paredes do Lugar Santo dos Santos apontam para os querubins que Deus colocou na porta leste do paraíso, para que os homens não tivessem acesso à árvore da vida (Gn 3.24). O templo fixo construído pela nação de Israel sob o governo de Salomão reflete o jardim do Éden alargado por toda a terra. É bem verdade que a comparação entre o jardim do Éden e o templo apresenta alguns pontos relativamente fracos e outros relativamente fortes. No entanto, a questão aqui não é se prender apenas aos aspectos superficiais, mas sim unir essas comparações superficiais às comparações mais específicas. Isso resultará na ideia de que o templo é, de fato, um reflexo do jardim do Éden, conforme descrito na Bíblia.

Os profetas entendiam que a extensão do templo aponta para um tempo escatológico que fala de uma nova criação consumada. No Antigo Testamento, o templo é associado à cidade de Jerusalém. Por conta disso, no contexto de uma nova criação, o profeta Isaías sugere que a nova criação será um novo templo onde Deus habitará com seu povo (Is 45.17-18), e esse novo templo, que lembra a cidade de Jerusalém, é associado ao jardim escatológico (Is 45.21-25). Apocalipse, ao fazer referência a Isaías 45, confirma a ideia de que a nova criação é a Nova Jerusalém, que é vista como um santuário e comparada a uma cidade-paraíso (Ap 21.1-2; 22.1-3).

Em Apocalipse, João contempla a nova criação e a classifica como a Nova Jerusalém, associando-a ao templo de Deus (Ap 21.1-3). Ao mesmo tempo, a denomina uma cidade-paraíso (Ap 22.1-2). O rio da água da vida remete ao rio que corta o jardim do Éden (Gn 2.10), o qual o profeta Ezequiel também associa a um rio que sai do templo e rega a nova criação, trazendo vida ao jardim escatológico (Ez 47.1-12). O símbolo da árvore da vida descrito no Apocalipse não reflete apenas o fato de que a humanidade terá acesso à árvore da vida no Éden (Gn 3.22), mas vai além disso: reflete o plano original de Deus, que era fazer com que o templo-jardim se estendesse por toda a terra em uma criação consumada, livre da tentação e da queda. No princípio de tudo, a árvore da vida era a recompensa para Adão, caso ele cumprisse sua comissão de alargar as fronteiras do Éden por todo o mundo. Assim, a humanidade e a criação entrariam em um estado de eternidade, nunca mais ficando sujeitas à tentação da serpente e sem jamais conhecer o pecado. No fim de tudo, a árvore da vida simboliza a recompensa da eternidade, transformando a velha criação caída em uma nova criação, vivendo uma consumação eterna, agora livre do pecado e da morte para sempre.

Portanto, devido à falha de Adão, a extensão do templo-jardim por todo o mundo, no sentido de uma criação consumada na eternidade, não foi possível. Contudo, esse plano não ficou sem realização. Sobretudo, o Criador, por meio de Jesus Cristo, o segundo Adão, executou a comissão do primeiro homem com sua vida e obra, garantindo que a criação, em um tempo escatológico, se tornasse o templo-jardim onde Deus habitaria eternamente com seu povo.

Cristo garante a nova criação como templo-jardim por meio da ressurreição de seu corpo. É interessante notar que o corpo de Cristo ressuscitado é um novo templo consumado (Jo 2.20, 21), que retrata a inauguração da nova criação e, ao mesmo tempo, garante a consumação do novo céu e da nova terra como habitação de Deus. Isso lembra os momentos em que o Senhor visitava o primeiro homem no jardim do Éden; no entanto, essa comunhão foi interrompida momentaneamente por conta do pecado, da espada flamejante ao redor da árvore da vida e dos querubins à porta leste do jardim. Mas Charles H. Spurgeon (2019) disse que o cristão não precisa temer a espada flamejante, que representa o juízo de Deus, porque Cristo já a removeu no dia em que enfrentou a cruz. Também não é preciso temer os querubins, pois eles não estão mais como guardiões à porta do jardim, mas como recepcionistas para dar boas-vindas ao povo salvo em Cristo, a fim de celebrar com Deus.

 

Referência

BEALE, G.K. O Templo e a Missão da Igreja. Uma Teologia Bíblica Sobre o Lugar da Habitação de Deus. São Paulo: Vida Nova, 2021.

_____________. Teologia Bíblica do Novo Testamento. A Continuidade Teológica do Antigo Testamento no Novo. São Paulo: Vida Nova, 2022.

JR, Walter Kaiser. O Plano da Promessa de Deus. Teologia Bíblica do Antigo Testamento e Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2011.

SPURGEON, H. Charles. O Santo e Seu Salvador: O Progresso da Alma no Conhecimento de Jesus. 2ª ed. Goiânia: Alabaster Publicações, 2019.

VAGEMEREN, Willem. O Progresso da Redenção. A História da Salvação, da Criação à Nova Jerusalém. São Paulo: Shedd Publicações, 2019.